Uma vez estava a ouvir um Podcast sobre uma solução de produtividade que muitas pessoas têm negligenciado sem aproveitar as suas grandes potencialidades. O que Michael Hyatt dizia ressoou com a minha experiência mais recente.
”sou um grande fã de tecnologia. (…) estou constantemente à procura de novas apps, novos dispositivos que podem tornar-me (e a ti) mais produtivo. Bem, neste podcast estou entusiasmado por partilhar umas das minhas tecnologias favoritas. Usar este aparelho leva-te a poupar imenso tempo. Pode melhorar a tua concentração, ajudar a pensar mais cuidadosamente, e reforça o teu compromisso com as tarefas mais importantes. Mais ainda, ajuda a tua memória.”
Depois de usar outras expressões e palavras como “tecnologia revolucionária”, “disruptiva”, “controversa”, Megan Hyatt-Miller, a filha de Hyatt com quem dialoga no podcast pergunta-lhe – ”Pai, estás a falar do papel?”
A irrelevância do papel
Quando o acesso a artigos científicos em formato electrónico foi possível graças a iniciativas como a B-On promovida pela Fundação para a Ciência e Tecnologia em Portugal, deixei de ter necessidade de os imprimir e andar de um lado para outro carregado com papel.
Depois, com a emergência dos tablets, corrigir teses de Mestrado, ou escrever anotações em artigos científicos enquanto fazia investigação, passou a fazer parte do quotidiano e, nesse período, pensei que o papel iria desaparecer.
Por outro lado, dada a crescente sensibilidade ecológica, tudo o que pudesse diminuir o uso de papel, melhor para o ambiente do único planeta que temos para viver.
Por fim, até os livros deixavam de ter sentido serem lidos em papel. Com o ebook posso ler quando quero, onde quero, em qualquer dispositivo por haver sincronização, ter comigo os livros que quero e se quero algum livro, basta um simples clique e já está! Nada de perder tempo em livrarias a ver capas e à procura “daquele” livro, ou de um livro que me desperte o interesse. O livro electrónico acabaria por destronar o livro em papel.
Com uma vida cada vez mais digitalizada, pensei que cresceria exponencialmente na minha produtividade, mas isso não aconteceu.
O ponto de viragem
A internet veio unir o mundo, mas sem que nos déssemos conta, passou a ser o maior consumidor de sempre da nossa atenção. Desde as infindáveis conversas pelos comentários em blogs, até ao consumo excessivo de informação (por vezes muito irrelevante), tudo levava-me a ficar acordado até à uma ou duas da manhã.
Comecei a gabar-me de ser produtivo com 5h ou menos de sono e, muito embora uma boa parte do tempo fosse gasto em trabalho pela noite dentro, a última parte em que via séries e filmes justificava-se sempre pela necessidade de relaxar.
Ninguém falava ainda dos efeitos nocivos para a vista do excesso de tempo de écran, e as redes sociais estavam ainda a nascer. Mas, cada vez mais, parecia que tínhamos cada vez menos tempo, quando era suposto ser, precisamente, o contrário. Algo não estava certo.
Somente quando comecei a ler sobre produtividade com a intenção de ajudar os meus alunos a serem mais produtivos, comecei a perceber que o primeiro a falhar era eu.
A minha produtividade com uma vida digital intensa diminuiu, e a saúde deteriorou-se, tendo o cansaço levado a melhor com dores de cabeça, ligeiras tonturas e falta de concentração.
Por fim, muitas das dicas de produtividade implicavam planear melhor o dia e fazê-lo… em papel.
Redescobrir o valor do papel
A Dra. Gail Matthews da Universidade Dominicana tinha realizado um estudo que mostrou como as pessoas que escrevem à mão os seus objectivos têm uma maior probabilidade de os concretizar em 40% relativamente aos que não escrevem. Escrever à mão é possível nos tablets, mas, por alguma razão, parecia fazer mais sentido fazer essa experiência em papel.
Nas últimas férias ouvi um Audiobook de David Sax intitulado ”The Revenge of Analog” que incluía o papel como uma das tecnologias que todos pensam estar no fim até que experiências como o Moleskine demonstraram o contrário.
Escreve David Sax que
“A vingança do papel mostra como a tecnologia analógica pode superar a digital em tarefas específicas, e utilização a um nível muito prático. Enquanto o uso do papel diminuiu em certas áreas desde a introdução das comunicações digitais, em outros tipos de utilização e propósitos, o valor emocional, funcional e económico do papel aumentou. Podemos usar menos papel, mas onde cresce a sua utilização, o papel vale mais.”
Esta foi a experiência que fiz.
O papel encontrava o seu lugar na cultura humana, e nos aspectos que nos ajudam a ser mais produtivos. Eis algumas dessas vantagens.
O papel:
- distrai menos do que as soluções digitais;
- ajuda a abrandar e pensar melhor;
- reforça os compromissos;
- ajuda a memorizar;
- é mais pessoal e humaniza.
“Os benefícios da caneta e papel são difíceis de ignorar. É inegável que escrever esteja ligado a aprender.” (Erin Wildermuth)
O facto de escrevemos em papel torna-se numa parte dinâmica da nossa linguagem, inseparável da literacia, como diversos estudos com crianças o demonstraram. Quando escrevemos, associamos a forma ao som e, por esse motivo, a escrita à mão em papel torna-se crucial na aprendizagem.
No seu livro ”Paper: Paging through History”, Mark Kurlansky aponta para uma falácia tecnológica importante: a ideia de que a tecnologia muda a sociedade. De facto, passa-se exactamente o contrário. A sociedade desenvolve a tecnologia que precisa para ir ao encontro das mudanças que atravessa.
O papel está associado ao período da Renascença, à Revolução Industrial, e quaisquer desenvolvimentos do papel só aconteceram porque a sociedade precisava deles. Era o modo melhor para transmitir o que aprendiam de geração em geração.
Com o desenvolvimento tecnológico na era digital, finalmente, o papel encontra o seu lugar consolidado na história, mas permanence uma sombra sobre o seu retorno.
Será o retorno do papel um retrocesso ecológico?
Uma das razões principais por deixar de imprimir artigos e começar a usar mais os meios digitais à nossa disposição foi a questão ecológica. O papel provém das árvores e o seu gradual uso implicou a desflorestação de grandes áreas, afectando negativamente o equilíbrio ecológico do nosso planeta.
Porém, o problema não está tanto no corte da árvore quanto no desperdício do papel. Aquilo que na era digital veio substituir o papel foi, precisamente, onde esse era desperdiçado. Por exemplo, as facturas das contas passaram a ser digitais, pois, ao fim de algum tempo iam para o lixo. E como esse, outros tantos exemplos.
Onde o papel encontra o seu retorno principal é no modo como orientamos a nossa vida, desenhamos os nossos dias, registamos os momentos positivos, ou, simplesmente, desbloqueamos a nossa criatividade com páginas matinais. Também nos livros, mas isso é outra história.
A experiência que tenho feito do KeepUp – Journal, escrevendo tudo o que faço ao longo do ano permite-me ter uma visão sobre o que fiz e faço, que leva a uma ideia mais clara daquilo que permanece por fazer.
Por outro lado, relembrar os diversos momentos escritos no diário positivo leva-me a uma imensa gratidão por diversos eventos vividos com intensidade e dão sentido à vida. E o facto desse momentos estarem registados com a minha caligrafia, por vezes serena, outras vezes com pressa ou nervosa, valoriza-os e, seguramente, terão mais valor no futuro no âmbito da família de cada um.
Quando os cadernos onde escrevi com e sem filtros deixarem de ter valor, podem sempre aquecer a sala de alguém queimados numa lareira. As palavras escritas podem tornar-se cinza, mas o efeito positivo que tiveram sobre os que nos estão próximos, se geraram cultura, permanecem para sempre.
[tweet_box design=”box_04″ float=”none”]Não há delete que apague a pessoa que uma caligrafia expressa.[/tweet_box]