Afinal, a evolução da espécie humana depende de ensinar e aprender.

Recentemente, a Scientific American dedica um número à espécie humana e aquilo que nos distingue em relação a outras espécies. Curiosamente, os estudos apontam para a nossa capacidade de transmitir conhecimento e ofícios às novas gerações. A aprendizagem permite construir gradualmente novas coisas no mar do conhecimento ao longo do tempo. É por este motivo que o acumulado de experiências desperta a nossa criatividade na construção de soluções cada vez mais eficientes para os desafios de cada época.

Passo 1 da Aprendizagem Relacional: copiar melhor

No contexto evolutivo poderíamos pensar que a seleção natural favorecesse cada vez mais a aprendizagem social, mas não. O que se observa é uma tendência para melhorar a aprendizagem social que possuímos. Isto é, não evoluímos apenas porque copiamos aquilo que aprendemos, mas porque o fazemos cada vez melhor. Daí a formulação de uma hipótese que procura explicar o impulso cultural da evolução humana através da aprendizagem: “a selecção natural deveria favorecer estruturas anatómicas ou capacidades funcionais no cérebro dos primatas, de modo a promover uma cópia precisa e eficiente.

Sem uma transmissão precisa de conhecimentos e ofícios, a acumulação de cultura seria impossível. E uma vez que se ultrapassa o limite de modestos níveis de criatividade e invenção, pode-se gerar mudanças culturais massivas. Algo que foi claramente atingido com o ser humano.

Muitas outras espécies copiam, e copiam bem, mas ensinar é raro e universalmente subtil entre os humanos. Aliás, quando o resultado da aprendizagem leva ao desenvolvimento tecnológico, não se altera apenas aquilo que conseguimos fazer, como também a nossa anatomia e capacidades cognitivas. Um testemunho disto em tempo real foi o que aconteceu com o filósofo Nietzche.

Tecnologia afecta Pensamento

A saúde de Nietzsche nunca foi o seu forte. De tal modo que num período áureo da vida, a dificuldade em fixar a sua visão numa página era tanta que o deixava exausto, cheio de dores de cabeça e com vómitos. Nietzche corria o risco de deixar de escrever, até que soube de um nova tecnologia, a máquina de escrever e encomendou uma. Quando começou a usá-la, em pouco tempo fixou a posição das letras no teclado, de tal modo que não precisava de ficar o olhar para o teclado para escrever. Deste modo, os seus pensamentos passavam da cabeça para o papel, ainda que tivesse os olhos fechados.

Os jornais noticiaram que Nietzsche se encontrava melhor e começara de novo a escrever. Porém, a tecnologia teve um efeito subtil sobre a escrita de Nietzsche. O seu amigo de longa data, o escritor e compositor Heinrich Köselitz notou que a prosa de Nietzsche se tinha alterado. A sua escrita passou a ser mais sucinta, dura como o “ferro” das teclas, e telegráfica. Köselitz escreveu-lhe em carta a dizer que o seu novo instrumento talvez lhe permitisse encontrar um novo idioma, reconhecendo que, também os seus pensamentos musicais e linguagem musical dependiam da qualidade da caneta e do papel. Nietzsche terá reconhecido e respondido que “o nosso equipamento toma parte na formação dos nossos pensamentos.”

O exemplo de Nietzsche ilustra como a emergência e evolução da mente humana, psicologicamente, foi motivada pelo ensino, o falar, imitar, emular, partilha de objectivos e intenções dos outros. A aprendizagem que nos levou a evoluir é profundamente relacional. Não chega ter um ideia nova. Essa só tem efeito evolutivo a partir do momento em que é partilhada e ensinada cada vez melhor ao passar de geração a geração.

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O ensino e a linguagem foram cruciais para a nossa espécie e as capacidades mentais que temos hoje são um fruto do processo recíproco de aprendizagem criado pelos nossos antecessores, que lhes impôs uma selecção aos corpos e mentes, durante inúmeros ciclos. Assim, a nossa capacidade para pensar, aprender, comunicar e afectar o ambiente à nossa volta é o que nos tornou genuinamente humanos e distintos das outras espécies.

Continuar a aprender reciprocamente com os outros, umas vezes ensinando, outras vezes aprendendo, assegura que a nossa história evolutiva permanece inacabada e permite aspirar a um futuro melhor do que qualquer passado.