A memória colectiva é o que passa de geração em geração. Pode ser a memória de um país, comunidade ou família. Não é algo do passado, mas constrói-se a cada momento. Aprendi a semana passada que essa memória é feita de duas outras e que a inspiração para a investigação que li na revista Nature Human Behavior provém do poeta Pablo Neruda.
“O amor é breve, esquecer dura tanto.” (Pablo Neruda)
A primeira parte da frase de Neruda expressa como existem fases na nossa vida que pedem a máxima atenção, mas uma vez que esse entusiasmo, amor ou fascínio desvanece, também desvanecem as memórias. Pensem num filme que vos tenha fascinado quando eram crianças. Na altura, lembravamo-nos de todos os detalhes de cada cena, mas passados anos, pouco nos recordamos.
Porém, quando esses momentos transformam a nossa vida, o seu efeito pode durar gerações e esquecer esses momentos torna-se num processo lento. Pensem na receita de uma bisavó que passa de geração em geração porque o sabor é único e começou a fazer parte daquilo que caracteriza a nossa família.
Os dois tipos de memória
Um grupo de investigadores liderado por Christian Candia e César Hidalgo estudaram a memória colectiva e verificaram que o esquecimento na sociedade segue uma função matemática universal dependente de duas componentes: a memória comunicativa e a memória cultural.
A memória comunicativa é a parte do “amor é breve”, em que prestamos muita atenção no início, mas esquecemos em pouco tempo. É o que acontece quando existe apenas uma comunicação oral de alguma informação, que não usamos ou relembramos posteriormente.
A memória cultural é o “esquecer dura tanto” porque a informação torna-se intrinsecamente parte do modo humano de viver, para além de registarmos fisicamente a informação de modo a poder estar acessível a gerações futuras.
Como é afectada a aprendizagem?
As implicações destas duas memórias que perfazem a colectiva são profundas naquilo que diz respeito à aprendizagem.
A primeira fase de qualquer aprendizagem passa também por uma comunicação oral, ou algo equivalente. Pois, as redes sociais são hoje um modo novo de comunicar, embora sujeito aos algoritmos e poucos têm ainda noção do que isso representa. Aliás, significa que, apesar de publicarmos conteúdo digital, nada nos garante que seja lido, logo, pode ser esquecido. O ritmo a que a informação é produzida no século XXI pode tornar algo importante, rapidamente irrelevante.
Existe apenas uma forma de converter o que aprendemos, e nos fascina no momento, em algo que faça parte da nossa cultura e perdure. Uma experiência semelhante aos ensinamentos dos Estóicos, como as Meditações de Marco Aurélio , ou dos Profetas na Bíblia e Evangelhos. Ensinamentos que produzem impacte na vida das pessoas ainda hoje e, muito provavelmente, muito depois de nós.
Eu gostaria de estender esta conversão da memória comunicativa à cultural àquilo que aprender pode fazer quando se torna um hábito diário.
Momento da transição
O desafio de uma mente que aprende está na conversão da aprendizagem diária em mudança cultural. Deixou de ser suficiente comunicar com os outros aquilo que aprendemos.
Aprender só transforma as nossas vidas se mudar o modo como agimos e vivemos. Em última análise, significa que a mudança cultural está significativamente afetada por aquilo que aprendemos em cada dia.
Deve existir um momento que expresse a transição entre aprender com grande atenção (memória comunicativa) e uma mudança cultural que gera uma experiência de vida transformativa (memória cultural).
Designo este momento por Acto Perene: fazer daquilo que aprendemos, o modo como vivemos.
Os desafios que a era digital apresenta à sociedade, e a influência que exercem sobre o desenvolvimento da nossa capacidade de aprender exigem mudanças culturais. Assim, embora seja um hábito importante a criar, percebi que não chega aprender coisas novas todos os dias. São, também, precisos actos perenes onde transformamos o que aprendemos em cultura, ou modos de viver. Creio que serão esses actos perenes que farão a revolução cultural do século XXI.